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Lula afirma que instabilidade na América do Sul é um 'sinal de vida'
Para presidente, união regional mexerá com tabuleiro do mundo
BRASÍLIA. Ao abrir a solenidade de assinatura do tratado criando a União das Nações Sul-Americanas (Unasul), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que as instabilidades na região são um "sinal de vida" na América do Sul. Lula disse ainda que no continente "floresce a democracia". Sem se referir às turbulências nos países vizinhos, Lula destacou que todos os governantes da região foram eleitos em pleitos democráticos e com ampla participação popular.
- A instabilidade que alguns pretendem ver em nosso continente é sinal de vida, especialmente vida política. Não há democracia sem povo nas ruas, sem confronto de idéias e propostas. Mas há tampouco democracia sem regras e diálogo - disse o presidente.
Lula afirmou que a América do Sul, unida, "mexerá com o tabuleiro do mundo". Ele aproveitou para convidar os demais países da América Latina e do Caribe a entrarem para a Unasul.
- Nossos vizinhos latinos e caribenhos estão convidados a participar dessa união, que nasce também sob o signo da diversidade e do pluralismo - afirmou.
Lula critica protecionismo de países desenvolvidos .O presidente destacou que a região passa por uma excepcional fase de crescimento econômico e, não por acaso, tornou-se um dos principais pontos de investimentos do mundo.
- Estamos superando a inércia e as resistências que, ao longo de 200 anos de vida política independente, impediram que trilhássemos juntos o caminho da unidade. Tiraremos proveito da vastidão de nosso território, banhado pelos oceanos Atlântico e Pacífico e pelo Mar do Caribe. Valorizaremos a diversidade de nossos povos e de nossas culturas.
Lula voltou a criticar o protecionismo praticado pelos países desenvolvidos. Disse que o crescimento da indústria e da agricultura e o grande potencial energético na região incomodam.
- Não nos deixemos iludir pelos argumentos daqueles que, por interesses protecionistas ou motivações geopolíticas, sentem-se incomodados com nosso crescimento - destacou.
Já ciente de que não seria criado ontem o Conselho Sul-Americano de Defesa, Lula defendeu, mesmo assim, o novo foro, que será instituído dentro de 90 dias. Citando como exemplo a Minustah (força militar da ONU voltada à reconstrução e pacificação do Haiti), o presidente afirmou que as Forças Armadas brasileiras estão comprometidas com a construção da paz. Ele propôs uma nova reunião no segundo semestre, no Brasil, para que sejam detalhados os objetivos e o funcionamento do conselho.
- Devemos articular uma visão de defesa na região fundada em valores e princípios comuns, como o respeito à soberania, à autodeterminação, à integridade territorial dos Estados e à não-intervenção em assuntos internos.
Ele ressaltou que todas as decisões a serem tomadas pela Unasul terão de ser por consenso. Segundo Lula, pretende-se avançar rapidamente com projetos inovadores e de grande alcance em áreas prioritárias, como integração financeira e energética; melhora da infra-estrutura regional e das conexões rodoviárias e ferroviárias; estabelecimento de uma vigorosa agenda de cooperação em políticas sociais; e fortalecimento da cooperação educacional.
Lula destacou ainda a necessidade de trocas comerciais "justas e equilibradas", para que sejam corrigidas as assimetrias entre os países da região.
- Vamos desenvolver parcerias em setores estratégicos, como indústria aeronáutica, medicamentos e equipamentos militares - disse.
O Globo

Cúpula Sul-Americana- União enfraquecida
Lula não consegue aprovar a criação do Conselho de Defesa para região
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva escapou ontem de uma desmoralização na reunião de chefes de Estado da América do Sul. Ele não conseguiu emplacar seu projeto de implementação de um Conselho Sul-Americano de Defesa e, por pouco, o tratado que cria a União das Nações Sul-Americanas (Unasul) não foi assinado, devido à resistência do presidente do Equador, Rafael Correa, que considerou a estrutura da nova instituição excessivamente burocrática. Correa só mudou de idéia após obter garantia de que o documento será ajustado para dar mais agilidade ao processo de integração.
Para convencer Correa de que, sem a sua assinatura, o encontro se transformaria em um fiasco, Lula foi cedo ao hotel onde ele estava hospedado. Tomou café da manhã com Correa, o venezuelano Hugo Chávez e o boliviano Evo Morales. Segundo fontes ligadas ao Palácio do Planalto, foi uma reunião tensa, que só foi solucionada com a intervenção direta de Chávez.
- O Equador assumiu a posição de assinar o tratado, com o compromisso de melhoramos o documento, que passará a ter uma estrutura mais ligeira. Com a grande quantidade de conselhos e a burocracia, não há como funcionar a integração - disse Correa ao GLOBO, momentos antes de embarcar para Quito.
Conselho de Defesa adiado por 90 dias
Quanto ao Conselho Sul-Americano de Defesa, a proposta foi adiada por 90 dias, devido à oposição da Colômbia. Protagonista da derrubada do novo foro - que, se dependesse do governo brasileiro, seria assinado mesmo sem a adesão dos colombianos - o presidente Álvaro Uribe deixou ontem claro que a idéia não sairá do papel enquanto persistir a simpatia e a interlocução de outros países da região com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Uribe voltou a exigir que o grupo seja classificado de "terrorista".
Esse posicionamento foi discutido por Uribe com Lula a portas fechadas. A mensagem foi que o Conselho de Defesa só poderá existir com garantias de que grupos terroristas não ameacem os países da região. O Brasil, porém, é contra classificar as Farc de terroristas, sob o argumento de que a definição deve partir das Nações Unidas. Na prática, isso significa que o projeto é natimorto, diante da falta de perspectiva de consenso nessa área.
- Não aceitamos integrar o Conselho, porque temos um problema de terrorismo muito grave, que gerou dificuldades políticas com países vizinhos de povos irmãos. O Conselho precisa oferecer garantias de que grupos terroristas não possam ofender a nenhum país - disse Uribe.
E acrescentou:
- O continente deve se atrever a qualificar como terroristas todos os grupos violentos que atentam contra a democracia.
Mas o passo mais importante que levou ao recuo em relação ao Conselho foi dado pela presidente do Chile, Michelle Bachelet, logo na abertura do encontro. Ela propôs o adiamento por três meses e, ainda, a criação de um grupo de trabalho cujo objetivo é analisar melhor o tema, detalhar a proposta e consolidar sugestões encaminhadas pelas nações sul-americanas.
- Propus a criação de um grupo de trabalho para que, em 90 dias, seja revisada a proposta do presidente Lula tendo em vista as preocupações que tenham cada país em relação ao tema - explicou Bachelet.
Lula não admite fracasso da reunião
Para Lula, mesmo sem o Conselho de Defesa, não houve fracasso no encontro de ontem, tendo em vista que os 12 países concordaram com a criação da Unasul - que era o principal foco da reunião, convocada extraordinariamente para esse fim:
- Aquilo que parecia impossível aconteceu aos olhos dos descrentes. A América do Sul está mais integrada do que nunca, porque acabamos de aprovar por unanimidade o tratado da Unasul.
Sobre o Conselho de Defesa, Lula lembrou que está há seis anos no poder e que as decisões que envolvem mais de um país são amplamente discutidas antes de se concretizarem.
O Globo

Ligações perigosas com as Farc
Congressistas e estrangeiros são acusados de auxiliar guerrilha. Uribe troca farpas com Correa
Numa nova frente da crise política que envolve a Colômbia, o procurador-geral do país, Mario Iguarán, revelou ontem que foram encontrados indícios de envolvimento de congressistas de Colômbia, Equador e Venezuela, jornalistas e integrantes de ONGs com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Entre os acusados está a senadora Piedad Córdoba, que participou de negociações que libertaram reféns da guerrilha. O escândalo já é chamado na Colômbia de farcpolítica, numa alusão à parapolítica, que envolve aliados do governo e grupos paramilitares.
Fontes da polícia colombiana revelaram a jornais locais que a denúncia contra Piedad Córdoba indicaria que suas comunicações com as Farc foram muito além de gestões para a libertação de reféns. Ela teria trocado pelo menos 900 e-mails com as Farc. Dezenas, feitos com o pseudônimo Teodora de Bolívar, teriam sido trocados diretamente entre a senadora e o guerrilheiro Raúl Reyes. Ontem, 56 deles foram enviados a um tribunal para a abertura de investigação.
A senadora defendeu-se afirmando que o governo pretende jogar uma "cortina de fumaça" para desviar a atenção do escândalo da parapolítica, que já levou 40 parlamentares da base governista à prisão:
- Sou uma perseguida política. Estão fazendo de tudo para mostrar que estamos em pé de igualdade. Falaram com guerrilheiros desmobilizados para convencê-los a declarar que me viram em acampamentos da guerrilha.
O anúncio da investigação ocorreu enquanto os presidentes dos três países estavam em Brasília, na criação do Unasul. Não houve o confronto que alguns temiam, mas Álvaro Uribe (Colômbia) e Rafael Correa (Equador) passaram o dia se alfinetando. Enquanto o colombiano fortalecia o discurso de que as Farc são um grupo terrorista e deve ser combatido como ameaça à democracia na região, o equatoriano rebatia que a campanha "midiática" e do vizinho deixou as relações bilaterais em estado "crítico".
Uribe começou a manhã declarando que iria desmanchar uma "armadilha" das Farc, que estaria mascarada como uma ação humanitária: o pedido de desmilitarização da região de Florida. Segundo ele, a proposta iria abrir corredores de "relativa curta distância" entre pontos estratégicos, inclusive com saída ao Pacífico.
- Vamos mostrar que por trás de um aparente espírito humanitário está a vontade de reconquistar Caguán. Nós, colombianos, não vamos cair na enganação, na armadilha, que as Farc estão tentando "vender" - disse Uribe.
Não tardou muito e assessores de Correa improvisaram uma entrevista logo após o encontro principal da cúpula. Nela, o presidente ironizou a investigação de equatorianos na Colômbia:
- Que ousadia investigar equatorianos. Sugiro que também investiguem a narcopolítica e os paramilitares que invadem a Colômbia.
O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, disse que as acusações de envolvimento do seu governo com as Farc são mentirosas:
- Isso foi um show de um agente da Interpol que já trabalhou no governo dos EUA. Ele violou as regras da Interpol, faz parte da estratégia imperialista. Fontes da Interpol dizem que não é possível garantir a origem da informação.
Ontem, o procurador-geral Iguarán solicitou que a Corte Suprema de Justiça investigue os congressistas, que têm foro privilegiado: além de Piedad, a senadora Gloria Inés Ramírez e o deputado Wilson Borja. Ele pediu também que o tribunal averigue os casos da deputada equatoriana María Augusta Calle, que foi diretora da Telesur em seu país; o também equatoriano Iván Larrea, irmão do ministro da Segurança Interna e Externa, Gustavo Larrea; o venezuelano Amílcar Figueroa, deputado do Parlamento Latino; o antropólogo americano James Jones; e a funcionária de ONG de direitos humanos Liliana Obando. Além destes, também serão investigados os jornalistas colombianos William Parra, da Telesur; Carlos Lozano, da revista "Voz"; o ex-candidato presidencial Álvaro Levya Durán; e o colunista Lázaro Viveros.
Grande parte da denúncia se baseia em informações dos computadores que Bogotá diz ter recuperado no acampamento onde foi morto o número dois das Farc, Raúl Reyes, no Equador.
- Em princípio, (a investigação será feita) pelo que foi encontrado nos computadores, correios (eletrônicos) por exemplo. Há referências que poderiam indicar algo que vai muito além de gestões com intenção de conseguir a paz - disse o procurador-geral.
Constituinte do Equador repudia investigação
O deputado Borja e a senadora Gloria Inés teriam trocado dezenas de e-mails com as Farc. Segundo fontes da investigação, o material indica que eles excederam sua condição política, parecendo assessorar a guerrilha.
Sobre os estrangeiros, Iguarán afirmou que seria possível processá-los na Colômbia por serem acusados de crimes como atentado à segurança nacional, e financiamento do terrorismo. A deputada equatoriana acusada, María Calle, liderou a votação de uma resolução ontem na Assembléia Constituinte, pedindo que o povo do país se mobilize contra "atitudes guerreiras" de Uribe.
Já Iván Larrea, irmão do ministro da Segurança equatoriano, acusou o governo Uribe de tentar prejudicar a relação entre os dois países.
- Isso está sendo feito para gerar uma caça às bruxas e provocar uma escalada do conflito entre os dois países - disse Iván Larrea.
O venezuelano Figueroa concordou:
- Uribe busca meter a Venezuela no conflito interno colombiano.
Jornalistas e funcionários de ONGs envolvidos confirmaram os e-mails com as Farc, mas seu objetivo seria de trabalho ou para ajudar na libertação de reféns.
O Globo

Obama quer nova aliança com América Latina
Em seu discurso mais enfático sobre o continente, senador critica Brasil mas aponta país como exemplo a seguir
NOVA YORK. O senador Barack Obama fez ontem o mais importante pronunciamento sobre sua política para a América Latina, em Miami, e o Brasil foi mencionado como "exemplo a ser seguido no continente". Obama propôs uma nova "aliança para o desenvolvimento" no continente e inverteu o velho ditado que diz que "tudo que é bom para os Estados Unidos é bom para as Américas".
- Minha política para as Américas será orientada pelo princípio simples de que o que é bom para os povos das Américas é bom para os EUA - disse, citando em seguida como exemplo as favelas do Rio: - Isto significa que a medida do sucesso não será apenas a dos acordos entre governos, mas também dar esperança às crianças das favelas do Rio, segurança aos policiais da Cidade do México e respostas aos apelos dos prisioneiros políticos de Havana.
Críticas à produção de etanol e ao desmatamento
Na sua proposta de nova "aliança para o desenvolvimento"para o continente, Obama diz que o Brasil tem o maior potencial de produção de energia renovável da América Latina e também alguns dos desafios para enfrentar a degradação do meio ambiente. Ele acrescentou, porém, que a liderança brasileira na produção de etanol e o desenvolvimento do país não foram alcançados sem prejuízos para o meio-ambiente:
- A Floresta Amazônica, uma região de importância fundamental e estratégica para o combate ao aquecimento global, já perdeu 20% de sua mata para dar lugar a fazendas de soja, e ambientalistas do mundo inteiro alertam que o cultivo da cana pode causar ainda mais desmatamento.
Para ele, a solução é formar uma nova parceria entre EUA e Brasil, a fim de aumentar a produtividade:
- Farei um apelo ao povo americano para formar um time de engenheiros e cientistas para desenvolver soluções energéticas limpas em vários países. Este é o único papel importante que os EUA podem desempenhar. Podemos oferecer mais do que a tirania do petróleo. Podemos aprender com o progresso feito por um país como o Brasil e fazer das Américas um modelo para o mundo. Nós podemos oferecer liderança que sirva à prosperidade e à segurança comum para todo o continente.
O senador pretende engajar-se num esforço diplomático para promover a democracia e os valores americanos, imediatamente fornecer permissões de viagens e de remessas de dinheiro, mercadorias e de medicamentos para Cuba, criar uma parceria energética visando ao desenvolvimento sustentável, lançar um programa de combate à criminalidade e ao tráfico de drogas no continente e ter um assessor especial para a America Latina em seu Ministério.
Senador chama Chávez de demagogo e autoritário
Obama chamou Hugo Chávez de "demagogo" que faz uma "perigosa mistura de retórica antiamericana com governo autoritário", e acrescentou que o presidente da Venezuela "e seus aliados não são os únicos preenchendo o vazio" deixado pelos EUA na América Latina. Ele citou a aproximação do Irã com a Venezuela e o "banco binacional financiado pelo petróleo".
O senador acrescentou que sua política para Cuba será orientada por uma palavra, dita em espanhol: "libertad". E disse que, se o regime cubano "libertar todos os presos políticos e der passos na direção da democracia", está disposto a normalizar relações diplomáticas e encontrar-se com Raúl Castro:
- John McCain diz que eu quero me encontrar com Raúl Castro como se eu estivesse em busca de um encontro social. Minha diplomacia será orientada por uma palavra, libertad, e quero ter este encontro apenas se houver chance de avançar nos interesses dos EUA e na causa da liberdade dos cubanos.
Obama prometeu apoiar totalmente a luta do governo colombiano contra as Farc:
- Apoiaremos decididamente o esforço do governo colombiano de livrar suas fronteiras do reino do terror. Vamos investigar apoios aos grupos paramilitares que venham de governos vizinhos. E vamos expor aqueles que apóiam organizações paramilitares ao isolamento, à condenação internacional e, se necessário, a fortes sanções.
Obama quer usar o comércio e os bancos internacionais para erradicar a pobreza da América Latina até 2015 e cumprir as "Metas do Milênio":
- Vamos mobilizar o Bird, a OEA e o BID para financiar investimentos e alavancar projetos que protejam os recursos naturais do continente, a fauna e a flora, sobretudo nas regiões de floresta tropical. Vamos negociar com nossos maiores aliados no hemisfério - Brasil, México, Argentina e Chile - para abrir oportunidades e erradicar o perigo de uma corrida nuclear.
O Globo

Camponeses atacam mais dois brasiguaios
Fazendeiros conseguem escapar ilesos de grupo de 50 paraguaios fortemente armados
SÃO PAULO. Incentivados pela decisão do presidente do Paraguai, Nicanor Duarte, de expulsar os produtores rurais estrangeiros em situação ilegal naquele país, um grupo de cerca de 50 camponeses paraguaios atacou ontem dois fazendeiros brasileiros em terras paraguaias - os chamados brasiguaios - que estavam em suas propriedades, em Pirapey, a 150 quilômetros de Encarnación, capital do Departamento de Itapúa, no Paraguai, onde se concentra o foco de conflitos. Fortemente armados, os paraguaios atiraram contra Eugênio Fridich e Anselmo Kessler, fazendeiros gaúchos que vivem há duas décadas no país. Eles foram surpreendidos quando trabalhavam na lavoura de trigo. Na noite de quinta-feira, outro brasiguaio, Rogério Viltes, também conseguiu escapar de um ataque.
Camponeses estavam armados com rifles
Depois de disparar vários tiros contra os dois - que conseguiram fugir sem que fossem atingidos -, os sem- terra paraguaios destruíram o caminhão e o trator usados no plantio. Os camponeses chegaram a arrancar as rodas do caminhão, segundo autoridades policiais. Os ataques atingiram também policiais do Grupo de Operações Especiais, chamados para mediar o conflito naquela região.
- Eles ficam de tocaia esperando a gente chegar nas lavouras e atacam em bando - disse ontem um fazendeiro brasileiro que mora em Tomás Romero Pereira, no distrito de Itapúa.
O clima de tensão na região tem feito com que os fazendeiros brasileiros contratem milícias para proteger as suas propriedades na área de fronteira ameaçada pelos camponeses paraguaios. Como o GLOBO revelou anteontem, donos de terras estão pagando até R$40 por 12 horas de trabalho para seguranças particulares. Na propriedade de Eugênio Fridich, os policiais encontraram ontem, logo após os ataques, vários projéteis nos assentos do caminhão.
A área onde fica a lavoura é, na verdade, de propriedade da empresa paraguaia Pezeta S/A e arrendada ao fazendeiro brasileiro, onde ele planta trigo, milho e soja. Os ataques foram organizados pelos camponeses do assentamento 1º de Março.
- Eles utilizaram rifles, escopetas, revólveres e pistolas de distintos calibres. Os que não tinham arma de fogo, tinham machados e foices - disse ontem o suboficial da polícia paraguaia, Remigo Benítez.
A relação entre paraguaios e produtores rurais brasileiros ficou ainda mais estremecida depois que o presidente Nicanor Duarte anunciou nesta semana que colocará em prática a Lei de Faixa de Segurança, aprovada há dois anos. A partir dela, os produtores rurais estrangeiros que estão em situação ilegal naquele país serão expulsos.
A decisão reforçou o sentimento nacionalista que dominou a campanha presidencial nos últimos meses. Na época, os adversários do presidente eleito, Fernando Lugo, usavam como plataforma política a tese de que, se eleito, Lugo retiraria as terras dos brasileiros. Antes e depois de vencer as eleições, Lugo sempre negou tal intenção.
O Globo

Um defensor da ética na política
BRASÍLIA e MANAUS. Com pouco mais de um metro e meio de altura, o senador Jefferson Péres (PDT-AM) tornava-se um gigante ao defender a ética na política. Nos últimos tempos, porém, já não disfarçava o desencanto com os rumos do corporativismo no Congresso e chegou a anunciar, da tribuna, a disposição de não se candidatar mais quando terminasse, em 2010, seu mandato - o segundo que exercia como senador. Péres morreu na manhã de ontem de infarto, aos 76 anos, em sua casa em Manaus. O corpo de Péres está sendo velado no Centro Cultural Palácio Rio Negro, no centro da capital do Amazonas. O enterro está marcado para as 16h em Manaus (17h em Brasília), no Cemitério São João Batista.
Durante a sua vida legislativa, Péres foi uma pedra no sapato de todos os parlamentares que enfrentaram problemas de decoro. Relatou, por exemplo, o processo de cassação do então senador Luiz Estêvão, o primeiro a ser aprovado na história da Casa, em 2000. Chegou a disputar a presidência do Senado contra o então poderoso Jáder Barbalho (PMDB-PA), que venceu a eleição, mas logo foi obrigado a renunciar ao mandato diante de denúncias de corrupção. No ano passado, durante os dois processos enfrentados pelo então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), sofreu ameaças veladas de retaliação por ter sido um dos primeiros senadores a defender publicamente o afastamento do colega do comando da Casa. Mas a cruzada de Péres pela moralidade nem sempre foi bem vista por seus colegas. Alguns adversários chegaram a chamá-lo de "falso vestal".
Mesmo desiludido, Péres não hesitou em cobrar satisfação de dois companheiros de partido: o atual ministro do Trabalho, Carlos Lupi, em razão de denúncias de que estaria usando a pasta para favorecer aliados do PDT e da Força Sindical, e o deputado Paulo Pereira da Silva (SP), o Paulinho, sob suspeita de envolvimento no desvio de verbas do BNDES. Foi voz isolada ao pedir que a cúpula do PDT tomasse uma posição e chegou a sugerir o afastamento de Paulinho até a conclusão da investigação.
A notícia da morte deixou consternados políticos de todos os partidos e até mesmo desafetos. Lupi divulgou nota referindo-se a Péres como "homem de uma envergadura moral ética singular, que sempre se destacou na defesa intransigente do Brasil". Lembrou, ainda, que no Congresso Péres "travou batalhas inesquecíveis, colocando sempre em primeiro plano seu amor e sua ferrenha defesa aos princípios básicos da ética política".
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva também divulgou nota solidarizando-se com a família Péres e destacando sua trajetória política na "defesa intransigente da democracia e da ética". Para Lula, Péres "sempre procurou guiar-se pelo que julgava ser o interesse público, mesmo nos momentos de divergências com o governo".
- Era um homem correto, extremamente correto e dedicado às causas de interesse do Brasil - disse o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes.
O presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), lembrou, num discurso emocionado, o apoio de Péres à luta pela recuperação da credibilidade do Legislativo.
- Ninguém como ele superou a defesa da democracia em seus pronunciamentos. Ele esteve sempre voltado para a defesa do Senado, das prerrogativas da Casa. Ele era um dos primeiros senadores que se levantavam na defesa deste Senado.
O governador do Amazonas, Eduardo Braga (PMDB), decretou luto oficial por três dias no estado. Para ele, Péres foi um marco na ética da política nacional.
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) lamentou em nota assinada por seu presidente, Mozart Valadares Pires: "Símbolo da independência política, Péres lutou pela democracia durante todo a sua carreira com uma postura ética irrepreensível que serve de exemplo para gerações atuais e futuras".
- Foi um homem público devotado às causas que abraçou, tanto em sua proeminente vida parlamentar como na sua vida de advogado. Deu ao Senado, ao Amazonas e ao Brasil o melhor de seu intelecto. Será uma sentida ausência em nosso plenário. Estou triste - disse o senador José Sarney (PMDB-AP).
De Budapeste, o senador Cristóvam Buarque (PDT-DF), de quem Péres foi vice na chapa que disputou a Presidência da República em 2006, escreveu em nota: "Com o seu falecimento, morre também a moral da política brasileira".
- Ele era a consciência crítica de todos nós - resumiu o senador Pedro Simon (PMDB-RS).
A ex-senadora do PSOL Heloísa Helena foi a primeira a chegar ao velório. Ela estava em Brasília e voltava para Alagoas. No aeroporto soube da morte do amigo e decidiu mudar o roteiro.
Um dos últimos políticos a conversar com Péres, na viagem de Brasília a Manaus na tarde de quinta-feira, o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) contou que o encontro durou 40 minutos:
- Ele parecia e estava absolutamente bem.
Para Virgílio, Péres foi um dos melhores senadores que o Amazonas deu ao Brasil:
- Ele tinha um senso de justiça extraordinário, um homem com profundo conhecimento da política.
De acordo com a assessoria do senador, nos últimos três meses ele apresentou um leve quadro de hipertensão, mas nada que chegasse a preocupar seus médicos nem a si mesmo. O senador nunca precisou se submeter a qualquer cirurgia.
Jefferson Péres deixa Marlídice, com quem estava casado há 40 anos, e três filhos: Ronald, de 39 anos, advogado e procurador do Amazonas; Roger, de 34, administrador de empresas; e Rômulo, de 32, também advogado e procurador.
Péres será substituído por seu primeiro suplente, o também pedetista Jeferson Praia - que atualmente é secretário de Desenvolvimento Social da Prefeitura de Manaus.
O Globo

Brasil diz que situação não é grave
Marco Aurélio Garcia minimiza crise envolvendo brasileiros no Paraguai
BRASÍLIA. O assessor para Assuntos Internacionais da Presidência do Brasil, Marco Aurélio Garcia, minimizou ontem a situação envolvendo fazendeiros brasileiros que moram em locais na fronteira do Paraguai. Apesar do aumento da tensão na região, Marco Aurélio disse que o assunto não foi tratado na reunião de presidentes para a criação da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), da qual participaram o atual presidente do Paraguai, Nicanor Duarte, e o presidente eleito daquele país, Fernando Lugo.
Marco Aurélio disse que o assunto "não está na ordem do dia", mas afirmou que irá ao Paraguai em junho para analisar as demandas do país a partir de agora.
- Não consideramos que seja um problema de uma gravidade tal que exigisse uma medida imediata. Essas tensões não começaram hoje, é normal que venham à tona - disse Marco Aurélio, acrescentando, porém, que o Brasil está sempre atento.
Recrutamento de milícias pode criar mais problemas
Já o Itamaraty vem acompanhando a situação e acredita que a situação está sob controle. A posição é de que nenhum brasileiro será expulso do Paraguai e que as regras ficaram claras com o decreto que tratou das terras em faixas de fronteira. Brasileiros nessa situação só não vão poder vender ou repassar as terras para terceiros.
O problema é que os fazendeiros brasileiros estariam formando milícias para se proteger de eventuais expulsões e até de invasões de sem-terra paraguaios, o que poderá resultar em problemas com as autoridades paraguaias, já que as leis do país proíbem este tipo de prática.
O Globo


Milhares fogem de xenofobia na África do Sul
Estrangeiros são esfaqueados e incendiados. Direitistas ligados ao apartheid são acusados de fomentar ataques
JOANNESBURGO. Uma onda de xenofobia violenta contra imigrantes deixou pelo menos 42 mortos e 30 mil refugiados na África do Sul nas últimas duas semanas. Grupos direitistas ligados ao antigo regime do apartheid são apontados como mentores do movimento.
Milhares de africanos que migraram para a África do Sul em busca de uma vida melhor estão agora voltando para seus países, horrorizados com os ataques sanguinários que se espalharam pelas duas principais cidades do país, Joannesburgo e Cidade do Cabo, e suas redondezas.
Os imigrantes são acusados de trazer pobreza e desemprego a uma população frustrada com os lentos avanços econômico-sociais do país, 14 anos depois do fim do regime segregador. A alta do preço dos alimentos e a má distribuição de ajuda aos pobres contribuem para a situação. Lojas de estrangeiros estão sendo saqueadas e as vítimas, mortas a ferro e fogo.
Depois de 14 anos, Exército invade subúrbios
Uma mulher conta ter decidido voltar ao Zimbábue depois de ver uma gangue despejar gasolina num estrangeiro e jogá-lo dentro de sua loja, que fora incendiada momentos antes.
- Os berros ainda me assombram. Quando fecho os olhos para dormir eu ouço os gritos de socorro, mas ninguém o ajuda - diz ela. - Nunca vi tamanha barbárie.
Pela primeira vez desde o fim do regime segregador soldados do Exército tiveram que entrar nos subúrbios para estancar a violência.
A África do Sul tem quase cinco milhões de estrangeiros, ou 10% de sua população. A maior parte vem do Zimbábue (três milhões), Nigéria e Moçambique. Os ataques começaram há cerca de duas semanas em Alexandra, distrito de Joannesburgo, e se espalharam para dezenas de localidades do entorno da capital e da Cidade do Cabo.
O chefe da Agência de Segurança Nacional da África do Sul, Manala Manzini, acusou ontem direitistas ligados ao antigo regime do apartheid de espalhar a onda de ataques.
- Definitivamente há uma terceira mão envolvida. Existe um esforço deliberado, orquestrado e bem-planejado - disse. - Temos informação dando conta de que pessoas envolvidas na violência pré-eleitoral de 1994 (ano em que o apartheid terminou) são justamente as mesmas que restabeleceram contato com pessoas que elas usaram no passado.
Ônibus para o Zimbábue partem lotados
Antes, os ônibus com destino ao Zimbábue costumavam partir vazios. Poucos queriam voltar a um país com inflação de 160.000% e com as liberdades cerceadas pelo regime ditatorial de Robert Mugabe, que está no poder desde 1980 (o país está em meio a um processo eleitoral que pode tirá-lo do poder). Agora, saem cheios e os motoristas precisam deixar passageiros na rodoviária por falta de espaço.
- Vi três pessoas morrerem diante dos meus olhos. Um foi esquartejado, outro levou um tiro e o terceiro morreu a pauladas. Vou para casa. Pelo menos por um mês, até que as coisas se acalmem - diz Tinei Murimbechi, de 25 anos.
Segundo a ONU, há 125 mil pessoas registradas como refugiadas no país.
O Globo

Brasil pode se tornar um grande produtor, diz 'WSJ'
O jornal de finanças americano "Wall Street Journal" afirmou em sua edição de ontem que a nova descoberta de petróleo na Bacia de Santos, anunciada na quarta-feira pela Petrobras, "aumenta as especulações" sobre a ascensão do Brasil ao grupo dos grandes exportadores globais do produto. O diário acrescenta que as reservas do país também ajudarão a "aliviar as pressões sobre os crescentes preços do petróleo".
Segundo a reportagem, "a descoberta é a última em uma série de ações bem-sucedidas da estatal brasileira, aumentando as esperanças de que o Brasil se torne a mais recente grande novidade no segmento global de petróleo".
O novo campo fica próximo ao de Tupi, descoberto há dois anos e que se mantém como o maior desde 2000. O "WSJ" afirma que, apesar do otimismo, alguns analistas se mostram céticos, devido às dificuldades de extração de petróleo em águas profundas.
O jornal lembra ainda que a descoberta será especialmente bem-vinda pelos EUA, que terão no Brasil uma fonte alternativa de abastecimento no hemisfério. Atualmente, o país importa petróleo no hemisfério sobretudo da Venezuela.
O Globo

STF: índios aculturados podem receber punição
Presidente do Supremo pede que pena seja estendida a quem ajudou caiapós a agredir engenheiro da Eletrobrás
BRASÍLIA e BELÉM. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, afirmou ontem que os índios acusados de agredir o engenheiro da Eletrobrás Paulo Fernando Rezende, um deles com golpe de facão, podem ser punidos, caso se comprove que são aculturados. Segundo o ministro, esse tem sido o entendimento de vários tribunais. Mendes considera importante estender a punição a quem teria, de alguma forma, estimulado a ação dos indígenas.
O ministro disse que não poderia falar sobre o caso específico. Mas deixou claro que índios podem ser punidos se a polícia e o Ministério Público provarem que eles entendem as regras básicas do convívio entre não-índios:
- Os tribunais têm tido várias provocações sobre a imputabilidade ou não de indígenas que se envolvem nesses fatos típicos. E a resposta tem sido, na maioria das vezes, positiva, entendendo que, especialmente no caso de índios aculturados, capazes de entender a língua portuguesa, que eles são plenamente responsáveis do ponto de vista penal.
Na terça-feira, um grupo de índios caiapós atacou o engenheiro durante um debate em Altamira, no Pará, sobre o impacto da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte na região. Rezende foi agredido a socos e pontapés. Um dos índios desferiu um golpe de facão no engenheiro.
- É preciso que nós todos aprendamos a debater dentro de padrões civilizatórios mínimos. Discutir sem violentar. E se isso é estimulado, tanto pior. É preciso que se reprima também aquele que atiça, que estimula a prática atos de violência - disse Mendes.
Índios caiapós e de outras etnias que feriram Rezende ameaçaram ontem com novos conflitos caso o governo insista na construção de Belo Monte. Num abaixo-assinado intitulado "Documento dos Povos Indígenas da Bacia do Xingu", com mais de 300 assinaturas, entregue ao juiz federal substituto da Subseção de Altamira, Antonio Carlos Campelo, os índios advertem: "Ainda que haverá conflito entre o empreendedor e os povos indígenas caso os senhores não parem com essas obras. Aconteça o que acontecer, nós, povos indígenas, morreremos defendendo as nossas vidas, nossos patrimônios e nossas terras".
Os índios pediram ao juiz que envie o abaixo-assinado à Presidência da República.
Padre e coordenador do Cimi negam compra de facões
A Polícia Federal (PF), que investiga o caso, divulgou imagens do circuito interno de uma loja de materiais de construção em Altamira em que o coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no Xingu, José Cleanton Ribeiro, aparece comprando três facões em companhia de um índio, na véspera do ataque. Também aparece no vídeo o padre Andoni Ledesma, de Altamira.
O padre, coordenador da Pastoral de Comunicação da Prelazia do Xingu, e Ribeiro negaram, ontem, em depoimento ao delegado da PF Eduardo Jorge Ferreira que tenham adquirido os facões, chamados terçados, usados pelos índios na agressão ao engenheiro. O delegado não informou se houve indiciamentos, mas não descarta responsabilizar as entidades que organizaram o evento "Xingu Vivo para Sempre" pela agressão.
As 11 entidades à frente do seminário divulgaram ontem nota rejeitando a responsabilidade pelo incidente e afirmando que as declarações do delegado "revelam postura precipitada e equivocada, que destoa da realidade dos fatos".
A organização do evento esclareceu em nota que o Cimi, responsável pela infra-estrutura dos índios, comprou os facões a pedido dos caiapós porque as armas brancas são "acessórios imprescindíveis das suas indumentárias". "O atendimento ao pedido de liderança do povo caiapó, para a aquisição de três facões, que na cultura desse povo indígena caracterizam-se como instrumentos de trabalho e de defesa das índias, baseou-se no respeito à cultura e identidade desses povos", afirma a nota.
Também prestou depoimento Antônio Martins, dirigente do Movimento de Mulheres Trabalhadoras (MMT) de Altamira, que aparece nas filmagens. A nota fiscal da compra de cinco facões foi emitida em nome do MMT.
Dom Erwin Krautler, que comanda a Prelazia do Xingu, desafiou a PF a apresentar qualquer prova que relacione a entidade à compra dos facões. Em sua opinião, o ataque ao engenheiro foi um ato imprevisto:
- Foi a maneira decisiva de os índios se manifestarem acerca de uma questão vital para eles. Não se pode demonizar o incidente.
Ele disse ainda que o engenheiro, de certa forma, provocou os índios.