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Entre esperança e temor, católicos aguardam fala do papa no país


Entre as missas e pronunciamentos que Bento 16 deverá fazer no Brasil, em maio, o último discurso é considerado o mais emblemático, pois inaugurará os trabalhos da 5a Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, em Aparecida. O evento definirá as diretrizes da Igreja na região para a próxima década.
O papa chega a São Paulo dia 9. No último dia da visita, 13, em Aparecida, fará um pronunciamento de cerca de uma hora aos 162 bispos da Conferência, além de outras 100 pessoas, incluindo especialistas, leigos, religiosos e convidados, que darão continuidade ao evento até dia 31.
A conferência geral, cujas conclusões precisam ser aprovadas pelo papa, analisa a vida da Igreja na região, além de identificar problemas comuns e soluções. O discurso inaugural de Bento 16 direcionará os trabalhos, marcando as posições de Roma.
"A maioria dos religiosos e dos bispos no país, que são mais conservadores, acha que o papa vai ler as normas oficiais e que é só segui-las", disse na quinta-feira o sociólogo e professor do Departamento de Sociologia da PUC-SP Luiz Eduardo Wanderley.
"Mas, se você pegar o pessoal das pastorais, ONGs, movimentos populares, eles acham isso também, mas têm a esperança de que ele abra algum canal (...) Na América Latina, justamente pela tradição das pastorais, sempre há uma expectativa de alguma coisa nova, diferente."
Nesta semana, Wanderley deu uma palestra na PUC sobre a 5a Conferência Geral e a visita de Bento 16 ao Brasil, ao lado do teólogo e ouvidor da universidade, Fernando Altemeyer Junior.
"Se ficar em um discurso muito pequeno, não vai entusiasmar ninguém. Estamos entre o temor e a esperança", disse Altemeyer. "Temor pelo mesquinho, de ficarmos assim medíocres porque não há um desafio grande, ou a esperança, de trazer um desafio."
ECOLOGIA E MIGRAÇÃO
O tema da conferência --"Discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que nele nossos povos tenham vida"-- foi escolhido pelo papa e deve constar do discurso. Porém, para Wanderley, seria interessante ouvir do papa uma exortação pelo perdão da dívida externa aos países pobres da região ou até mesmo perdão pelos males que a Igreja causou aos índios e escravos no período de colonização.
"Alguma coisa nessa linha seria muito positivo, mas é difícil porque ele não conhece muito a realidade nossa e por isso deve ficar no geral mesmo", disse Wanderley.
Para o sociólogo, o tema com mais chance de ganhar espaço no pronunciamento de Bento 16 é a preocupação ambiental, como aquecimento global e Amazônia.
"Acho que isso ele está acompanhando, pode sair alguma coisa nesse sentido. E pelo menos uma frase ou duas do compromisso da Igreja com os pobres, mesmo que não seja muito sólido", disse.
Para Altemeyer, a aposta seria Bento 16 falar da questão da Aids e da migração, que apesar de ser um tema externo à igreja, mexe com a religiosidade de milhares de pessoas que atravessam fronteiras pela América Latina.
"Mas não dá pra saber de fato qual será a ênfase", disse Altemeyer. "Como grande intelectual, talvez ele faça como é do gosto dele (...) talvez mais filosófico e não tão pragmático."
A primeira Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe aconteceu no Rio de Janeiro, em 1955. As três outras, que contaram com a presença de papas na inauguração, ocorreram em Medellín (Colômbia), em 1968, Puebla (México), em 1979, e Santo Domingo (República Dominicana), em 1992.
Como exemplo da importância das conferências, o arcebispo nomeado de São Paulo e secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Odilo Pedro Scherer, citou a de Medellín durante uma coletiva nesta semana.
"Refletiu-se sobre as ditaduras, falta de liberdade democrática, o anseio pela liberdade. A Igreja se fez porta-voz destes anseios", disse na quarta-feira.
"Aparecida chega com um contexto novo, mudanças religiosas e políticas muito acentuadas (...) Como a Igreja quer se posicionar diante disto?"