Google

Na nova internet, os computadores poderão compreender o significado de textos e imagens para divinha o que você quer


Em 1989, o físico inglês tim berners-Lee trabalhava como pesquisador no Cern, um laboratório de partículas físicas próximo de Genebra. Naquele ano, Berners-Lee mandou para seus chefes no instituto um relatório aparentemente incompreensível, com o título Information Management: a Proposal (Gestão de Informação: uma Proposta). Ele descrevia o que imaginava ser uma rede mundial de computadores, a World Wide Web. Berners-Lee falava de textos interligados por hyperlinks. Você clicaria em um link - podia ser uma palavra, imagem ou ícone - e seria direcionado para outras páginas. Seus superiores responderam ao relatório com o seguinte comentário: "Vago, mas instigante". Berners-Lee continuou sua pesquisa. Em 1991, a idéia ganhou forma. Nascia a internet. Berners-Lee assegurou seu lugar na História como o homem que revolucionou o mundo das comunicações. Menos de 20 anos depois, ele quer fazer outra revolução.
A nova proposta de Berners-Lee é criar uma internet mais inteligente. A idéia já ganhou nome: web 3.0. Seria um terceiro passo na evolução da internet. Para entender esse passo, é preciso lembrar como a internet evoluiu. Em 1994, havia apenas 10 mil páginas na rede virtual. Naquele tempo, somente os responsáveis por uma página podiam colocar informação na web. Foi a era dos grandes portais, como Yahoo!, Aol e Uol. A web era um repositório quase infinito de conteúdo, mas um conteúdo unidirecional. Hoje, se considera que essa era a web 1.0. Com o tempo, a internet deixou de ser uma estrada de mão única. Nos últimos anos, os sites de maior sucesso têm sido os que permitem que os usuários coloquem no ar o próprio conteúdo. A Wikipédia virou o grande símbolo dessa transformação. É uma enciclopédia em que os verbetes são criados e editados pelos usuários. O YouTube é outro exemplo. Os internautas postam seus vídeos. A sabedoria das massas virou a chave na rede, então batizada de web 2.0.

Com todo mundo participando, ganharam importância as ferramentas que permitem encontrar, no meio do caos de informações, aquilo que é relevante para o usuário. Uma das saídas é adotada pelo site de fotos Flickr. No Flickr, qualquer pessoa pode publicar suas fotos. Quando as coloca no ar, ela preenche uma espécie de etiqueta virtual, com palavras que descrevam o assunto relacionado àquelas imagens. Se você postar fotos de seu novo poodle, pode escrever as palavras "cachorro", "totó", "poodle" e o nome do bicho. Isso ajuda outra pessoa, que pesquise com alguma dessas palavras, a encontrar as fotos de seu poodle. Parece pouco, mas isso tornou possível identificar uma foto em meio a milhares de outras. No entanto, a pessoa que procura fotos ainda tem de tentar adivinhar quais palavras-chave estão ligadas ao assunto que está pesquisando. A ambição de Berners-Lee é criar um sistema em que o computador entenda o que você quer e faça a busca por você. Essa seria a essência da web 3.0.
Parece precipitado falar em web 3.0 se a maioria dos internautas ainda nem entendeu direito o conceito de web 2.0. Mas uma corrente crescente de estudiosos identifica a web 3.0 como uma rede em que os computadores entendem semântica. Eles compreenderiam o significado das palavras que usamos na rede. Fariam associações de idéias a partir delas. Mesmo que você não saiba digitar exatamente o que quer em um site de busca ou de compras on-line, os computadores daquele serviço interpretariam seus pedidos e levariam você até os sites ou produtos que realmente lhe interessam. Os primeiros passos nessa direção já foram dados por alguns sites, como a livraria on-line Amazon. Se você compra regularmente na Amazon, os computadores do site interpretam suas preferências e arriscam palpites sobre livros que você gostaria de ler.

O que pode vir a ser a web 3.0 é vislumbrado por alguns serviços on-line em desenvolvimento. Um deles é um buscador da Radar Networks, uma pequena empresa de São Francisco, na Califórnia. Um buscador comum, como o Google, encontra milhões de sites a partir de uma ou mais palavras-chave que você tecla. O computador da Radar avaliaria a relevância dos sites, a partir do conteúdo de cada página. Se você teclar "São Paulo" e "time" em busca de informações sobre o clube no Google, ele apresentará todos os sites que contenham essas palavras. Mas não vai indicar aqueles que falam do São Paulo Futebol Clube e não usam a palavra "time". Já o buscador da Radar entraria em cada site e "compreenderia" quando o assunto é futebol. Com isso, ele saberia se a página trata de São Paulo como time ou cidade. E apresentaria para você os sites com mais informações sobre o time. Outro serviço rumo ao 3.0 é o Joost, um site criado por Janus Friis, um dinamarquês de 30 anos, e Niklas Zennström, um sueco de 40. Eles pretendem destronar o YouTube com um site que analisa suas preferências e indica programas de TV para você.
Um experimento promissor também é um sistema de computadores chamado KnowItAll, desenvolvido pela Universidade de Washington. Uma das tecnologias desse sistema é o Opine, um programa que avalia hotéis. Como ele faz isso? A partir dos comentários deixados pelos hóspedes desses hotéis. Os pesquisadores do KnowItAll selecionaram um grupo de estudantes, que visitaram vários hotéis. Em uma página da internet, eles postavam, como em um blog comum, comentários sobre sua estadia. O computador do KnowItAll lia os textos e "entendia" o que cada estudante tinha dito sobre os quesitos temperatura do quarto, conforto da cama e preço. Depois, o computador comparou as avaliações dos estudantes, tentando adivinhar quais tinham gostos similares. Com essas informações, o sistema era capaz de recomendar, em determinada cidade, qual o melhor hotel para cada estudante.

Alguns estudiosos de peso não acreditam no potencial da web 3.0. "Esse nível de inteligência artificial, com máquinas pensando em vez de seguir simples comandos, tem encantado pesquisadores por mais de meio século", disse o jornalista John Markoff, num artigo que virou referência para os céticos. Segundo eles, a primeira dificuldade é desenvolver programas que permitam ao computador ler e compreender textos com sutilezas de interpretação. Qualquer pessoa que usa um tradutor automático sabe que a essência do texto principal pode ser preservada, mas nuanças de estilo, sinônimos e palavras ambíguas são problemáticos.
Os defensores da web 3.0 dizem que os avanços nessa área são rápidos. Mesmo assim, esse estágio só será atingido daqui a dez anos. Hoje, Berners-Lee lidera um grupo de pesquisa chamado W3C, que atua no Massachusetts Institute of Technology (MIT). O W3C reúne cientistas em busca de novas tecnologias que possam ser usadas de modo padronizado. Querem construir essa internet inteligente, administrada por sistemas que saibam ler e escrever. A expressão "vago, mas instigante", que os chefes de Berners-Lee usaram há 18 anos, é novamente aplicável.